Descobrindo o Acervo: Ilha das Pedras Brancas, Barão do Cahy e a cidade de Porto Alegre
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No dia 26 de março a cidade de Porto Alegre completou 250 anos. Em comemoração, retomaremos o projeto “Descobrindo o Acervo do Arquivo Público” em uma edição especial, que será desenvolvida ao longo do ano de 2022, publicando documentos de nosso acervo que se relacionam com a capital dos gaúchos. Hoje, fechando o mês que acolhe tanto o aniversário da cidade quanto o aniversário do APERS, iniciaremos evocando um lugar bastante simbólico: a Ilha das Pedras Brancas ou Ilha da Pólvora, lembrada, também, como Ilha do Presídio. Seus variados nomes possuem relação direta com os diferentes usos do local ao longo dos anos, e com as diversas memórias a ele atreladas.
Estamos falando de uma pequena porção de terra, situada entre os municípios de Guaíba e Porto Alegre, bem no meio do Lago Guaíba. Embora seja um espaço diminuto, provavelmente você já ouviu falar dela como antiga “Casa da Pólvora”, ou ainda, como espaço que abrigou presos políticos durante a ditadura civil-militar no Brasil. Essa última conexão é marcada por memórias bastante sensíveis, sobre as quais voltaremos a falar em uma nova postagem.
Na internet, circulam diversas matérias a seu respeito, contextualizando-a como antigo entreposto de transporte e observação durante a Guerra dos Farrapos (1835-1845); como depósito de pólvora, cuja construção se deu entre 1857 e 1860 e serviu ao Exército até a década de 1930; como laboratório de pesquisa animal, especialmente sobre a peste suína, já na década de 1940; e como prisão, a partir da década de 1950, tanto de presos comuns quanto de presos políticos, durante a ditadura. Considerada como presídio de segurança máxima à época, foi palco de diversas tentativas desesperadas de fuga, algumas terminadas em morte por afogamento. Uma das fugas mais narradas foi empreendida pelos detentos Júlio Pettinelli e Hector Capri, que em 1956 escaparam utilizando uma balsa improvisada com panelas da cozinha do presídio, amarradas a tábuas[1].
Mas você sabia que a Ilha foi propriedade do Barão do Cahy, no século XIX? Esse fragmento da história de ocupação da cidade ficou registrado entre os milhares de processos judiciais salvaguardados pelo APERS, quando a Ilha foi arrolada no inventário aberto após a morte do Barão, em fevereiro de 1884. Sabemos que os títulos nobiliárquicos eram adquiridos através de contributos econômicos e/ou militares para com o Império, como forma de demarcar prestígio. Assim, apesar do título de Barão, que evoca pertencimento à aristocracia, Francisco Ferreira Porto era comerciante. Com uma trajetória de destaque, foi fundador da Associação Comercial de Porto Alegre e tornou-se líder da classe. Seu processo judicial de inventário, aberto em 22 de fevereiro de 1884, é um intrincado documento composto por dez volumes manuscritos, integra o acervo do Poder Judiciário - Fundo da Comarca de Porto Alegre, e pode configurar-se como fonte para a análise de sua estrutura de propriedade, das relações sócio econômicas e das estratégias políticas e de negócios estabelecidas por ele e sua família com a elite local.
O inventário foi aberto pela viúva, Maria Luisa Meifredy, Baronesa de Cahy. Com dificuldades de pagar as dívidas e despesas do inventário, alguns bens do Barão foram incluídos em hasta pública, sendo um deles a Ilha das Pedras Brancas, que por intermédio do inventariante, João Carlos Ozorio Bordini, foi arrematada pela Fazenda Nacional pelo valor de novecentos e onze mil réis, quitados em 31 de maio de 1886.
Naquele momento o local já abrigava a referida construção, que serviu como depósito de pólvora. Como será que a Ilha passou a ser propriedade de Ferreira Porto? Quais serão os usos que ele e sua família faziam da Ilha naqueles anos? Um estudo mais aprofundado do inventário, assim como o cruzamento com outros documentos, poderia permitir o redesenho da trajetória histórica deste importante local, que em dezembro de 2014 foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do RS (IPHAE). O processo de tombamento[2] teve início com pedido do então governador Tarso Genro, por indicação da Comissão Estadual da Verdade, que a apontou como importante local de memória da ditadura no Rio Grande do Sul. Hoje ela está inscrita nos Livros Tombo Histórico e Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico do IPHAE. Também foi registrada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como Sítio Arqueológico Histórico.
Interessados em consultar o inventário, assim como outros documentos custodiados pelo APERS, podem entrar em contato com nossa Sala de Pesquisa: saladepesquisa@planejamento.rs.gov.br | Fone: (51) 3288-1375 - Horário de atendimento: de segunda a sexta-feira, das 8h30min às 12h e das 13h às 17h.
Visualize excertos do inventário:
[1] Jornal do Dia (RS). Ocorrências Policiais: Recapturados os foragidos da Ilha do Presídio! Porto Alegre, 15 nov. 1956, p. 03. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=098230&pesq=%22JULIO%20PETINELLI%22&hf=memoria.bn.br&pagfis=26698. Acesso em 31 mar. 2022.
[2] Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE). Bem Tombado – Ilha do Presídio. Disponível em: http://www.iphae.rs.gov.br/Main.php?do=BensTombadosDetalhesAc&item=56800. Acesso em 31 mar. 2022. (Ofício do governador consta na folha 03 do processo de tombamento).