Histórico
Os anos que se seguiram a Abolição da Escravidão (1888) e a Proclamação da República (1889) impuseram ao país novas necessidades políticas e administrativas, ensejando um processo de modernização conservadora. Pretendia-se deixar para trás o império escravista, com seus barões do café e a família real, com o sistema parlamentar e o trabalho cativo, reorganizando politicamente o Brasil, adotando-se a mão de obra livre e liberando a emissão de moeda. No Estado do Rio Grande do Sul, esse anseio pelo novo deu-se por meio de um republicanismo pouco tolerante a expressões políticas dissidentes. A um Império centralizado nacionalmente, mas com alguma margem de independência para as oligarquias locais, sucedia uma Federação de estados centralizados regionalmente, com larga margem de autonomia entre si. O Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) procurou manter sob rédeas curtas o controle e a cooptação sobre os poderes locais, o que contribuiu, inclusive, para levar a efeito uma Guerra Civil – a chamada “Revolução Federalista” (1893-1895) – vencida pelos republicanos.
No Estado consolidava-se a influência da doutrina positivista sobre a política, a economia e a organização sociocultural. O positivismo pautou, em muitos aspectos, os governos estaduais da Primeira República, com Júlio de Castilhos, Carlos Barbosa e Borges de Medeiros. Tratava-se de um ideário com propostas que alteravam a feição do Estado, o qual deveria ser administrado de acordo com os ditames de uma racionalidade centralizadora e elitista. Tal projeto foi responsável por um período de relativa diversificação econômica e de inegável modernização da máquina pública, colocada a serviço, em grande medida, da manutenção do PRR no poder.
Uma administração moderna e forte, tal como era entendida na época, necessitava de equipamentos públicos que representassem essas características. Assim, o período foi rico em criação de obras e instituições que alteraram a feição do Estado e, principalmente, de sua capital. Nesse contexto, foi idealizada a criação de um Arquivo Público, que, afinal, acabaria se constituindo em um dos mais significativos símbolos da administração castilhista-borgista.
Em 8 de março de 1906, por meio do Decreto nº 876, o Presidente do Estado, Antônio Augusto Borges de Medeiros, determinou a construção do Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS), compondo a Repartição de Arquivo Público, de Estatística e da Biblioteca do Estado do Rio Grande do Sul, subordinada à Secretaria do Interior e Exterior. Conforme o documento, seriam atribuições da instituição “adquirir e conservar, sob classificação sistemática, todos os documentos concernentes à legislação, à administração, à história, à geografia, às artes e indústrias do Rio Grande do Sul”. O texto correspondia aos preceitos do positivismo, para o qual o resguardo da documentação era fundamental ao funcionamento da máquina pública. Além disso, a concentração de acervos em Porto Alegre coadunava com a concepção centralizadora do Estado e pretendia impedir sua dispersão em arquivos locais. Coletaram-se então, processos judiciais e outros tipos documentais, oriundos de cartórios do interior do estado, que se somaram ao já volumoso acervo administrativo e histórico político.
Em 1909, com o Decreto nº 1.435, ocorreu o desmembramento das seções de Estatística e da Biblioteca do Arquivo, redundando na criação de órgãos independentes, dotados de relativa autonomia e regimentos próprios. Após algumas localizações provisórias, em 1912, o APERS foi instalado no atual endereço, na rua Riachuelo, 1031, em construção erigida especificamente para suas funções. Posteriormente, em 1919 e 1950, no mesmo terreno, foram acrescidas duas novas edificações a fim de atender à demanda, sempre crescente, de recolhimento de novos documentos.
O decreto n.º 1994, de 1913, instituiu um novo regulamento que estruturava o Arquivo em três seções: 1. Administrativa: mensagens presidenciais, anais da assembleia dos representantes, relatórios dos secretários de Estado, balanços do tesouro estadual e tesouro municipais, livros de registros de nomeação e posse dos funcionários. 2. Arquivo Histórico e Geográfico: coleção do jornal "A Federação", documentos relativos a fatos históricos (guerras, batalhas, etc.) e personagens considerados relevantes. 3. Arquivo Forense: cartas de concessão de sesmarias, autos findos de jurisdição, inventários, registros de nascimento, casamento e óbito.
Em 1925, a segunda seção foi transferida para o Museu Júlio de Castilhos com considerável parte do acervo que, posteriormente, originou o Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, já na década de 1950. Seguiram-se anos em que o Arquivo Público, passou a ser visto como um repositório e considerado a partir de suas funções cartoriais. Entretanto, mesmo essas atividades se viram prejudicadas por decisões governamentais. No início da década de 1950, foi concluído o prédio mais recente que, embora fosse justificado pelas necessidades do APERS, foi sucessivamente utilizado pelo Colégio Estadual Júlio de Castilhos, pela Secretaria de Administração e pela Junta Comercial. Somente em 1999 o espaço retornaria a sua destinação original.
A despeito das dificuldades, a trajetória da instituição foi de consolidação como referência no acesso à informação de caráter legal, probatório e como fonte histórica. Esse último aspecto foi reforçado, sobretudo, a partir do final dos anos de 1960, com incremento nas décadas seguintes. Mudanças na disciplina da História, tanto em termos teóricos e metodológicos quanto em relação à institucionalização acadêmica, fizeram com que as pesquisas fossem direcionadas, cada vez mais, a temas que refletem a pluralidade social, valorizando os acervos do Arquivo. Para tanto, a aludida concepção centralizadora de Estado que marcou a origem do APERS acabou se revelando fundamental, sobretudo para pesquisas em documentos judiciais, cartoriais e notariais recolhidos até meados do século XX.
Na esteira das transformações vivenciadas no país e no mundo no campo arquivístico a partir da década de 1980, com o aprofundamento das discussões teóricas e proposições práticas no âmbito da gestão documental, em 1989 foi criado o Sistema de Arquivos do Estado do Rio Grande do Sul – SIARQ/RS, pelo Decreto nº 33.200, marco de uma nova concepção no tratamento e promoção do acesso a documentos. No ano de 1992, mediante concurso público, ingressaram novos arquivistas e historiadores, com o objetivo de ampliar os esforços nos serviços prestados pela instituição, tratar os acervos acumulados desde sua fundação,e atender às demandas do SIARQ/RS, sistema do qual o APERS é o órgão gestor. Ao longo da década de 1990 a equipe da instituição dedicou-se a visitas técnicas e ao atendimento de demandas dos órgãos da Administração Direita e Indireta que sentiam a necessidade de construir instrumentos de gestão documental próprios. Essa experiência de levantamento de espécies e tipos documentais produzidos viabilizou a publicação, em 2002, do primeiro Plano de Classificação e Tabela de Temporalidade de Documentos (PCD e TTD) das atividades-meio para todo o Poder Executivo estadual.
Nos anos 2000 o corpo técnico da instituição voltou seus esforços aos estudos da história administrativa, compreendendo a estrutura, as funções e competências da máquina pública, assim como a um novo trabalho de levantamento de produção documental, agora amparado no conhecimento construído sobre o funcionamento do Estado. Esse trabalho orientou a reformulação dos instrumentos de gestão documental, atualizados e publicados em 2008. Respondendo a essa mesma dinâmica, em 2010 o Decreto nº 47.022 reorganizou o SIARQ buscando ampliar a capilaridade do Sistema.
Em meio ao processo de redemocratização e luta por reconhecimento da diversidade cultural brasileira, ampliou-se o conceito de patrimônio, o que incidiu diretamente sobre a atuação do Arquivo Público. Além das atividades no âmbito da gestão de documentos, a instituição engajou-se na promoção de seu potencial cultural e educativo desenvolvendo projetos de difusão e descrição documental, como o “Por dentro do Arquivo”, com oficinas voltadas para turmas escolares, e o “Documentos da Escravidão”, a partir do qual foram publicizadas fontes relativas ao tema. Esse período também foi marcado pelo esforço de preservação do patrimônio arquitetônico da instituição, com a restauração de seus prédios, realizada entre 1999 e 2001.
Tais processos, ao definirem e confirmarem o Arquivo Público, por um lado, como órgão gestor do Sistema de Arquivos, promotor da gestão documental no estado, e por outro, como lugar de produção de conhecimento com forte potencial cultural, corroboraram o caráter referencial da instituição. Atualmente, como parte da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG), o APERS conta com uma equipe multidisciplinar de servidores – arquivistas, historiadores, socióloga, administrador e linguistas – para realizar a custódia de documentos de acesso público, oriundos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, de Tabelionatos e Registro Civil. Ao longo de mais de um século, suas funções e atividades vêm se transformando, acompanhando as metamorfoses das áreas de Arquivística e História. Desta forma, se nas décadas iniciais de sua trajetória foi identificado como um grande depósito de documentos cujo acesso restringia-se à própria administração pública e a poucos pesquisadores letrados, hoje acolhe, tanto em sua Sala de Pesquisa quanto em visitas, oficinas e eventos, estudantes de diversos níveis, pesquisadores de diversas áreas, assim como cidadãs e cidadãos em busca de fragmentos da história de suas famílias.