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Entrevista com Liane Susan Muller - Parte I

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APERS Entrevista
APERS Entrevista - Foto: Divulga APERS

Liane Susan Muller é licenciada e bacharel em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1995), mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1999). É professora na Escola Municipal Alberto Pasqualini e na Escola Estadual Emília Viega da Rocha, ambas em Gravataí, e autora do livro “As contas do meu rosário são balas de artilharia” (Pragmatha, 2013). Para ler seu currículo é possível acessar aqui

1. Liane, você pode falar brevemente sobre a sua pesquisa de mestrado e sobre o uso das fontes custodiadas no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul?

Liane Susan Muller
Liane Susan Muller
Minha pesquisa de Mestrado concentrou-se na ascensão de uma população negra escravizada e livre, em Porto Alegre, a partir da fundação da Irmandade do Rosário. Ainda que o ponto de partida tenha sido 1786, com o surgimento da confraria, a mim parece que a contribuição dada pelo trabalho se vincula, para além da história da Irmandade, à ascensão de um grupo social destacado e militante, especialmente quando se percebe que ela é ponto de partida para a criação, nos anos seguintes, de mais de 70 associações negras recreativas e beneficentes. E, obviamente, do Jornal O ExemploNo Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul tive acesso a inventários, testamentos, processos que terminaram por ser de fundamental importância para o trabalho. Em situações de silenciamento, de branqueamento de fontes, esses documentos são verdadeiros faróis que permitem o cruzamento de informações possibilitando a compreensão de lacunas.

2. Qual foi o papel dos inventários e testamentos na reconstituição das trajetórias dos irmãos do Rosário?

O papel dos inventários e testamentos foi de suma importância para o trabalho como um todo. Através deles foi possível mapear o montante deixado por pessoas negras a seus parentes e amigos, bem como à própria Irmandade. Mas permitiu também que eu estabelecesse os vínculos dessas pessoas com outros nomes (posteriormente identificados ou não com o Rosário e as associações), com seus lugares de moradia, de trabalho, de pertencimento. É um material riquíssimo, cujas informações cruzadas com outros dados (batismos, casamentos, óbitos, e recortes d’O Exemplo), permitiu que, no âmbito dessa pesquisa, fosse possível suprir a ausência de fontes diretas sobre a experiência dessa população.

3. De que maneiras a religiosidade pode ser entendida como uma forma de resistência negra?

Sabe-se que a fundação de irmandades leigas dedicadas a Nossa Senhora do Rosário começou muito cedo na cronologia do Brasil e que também tinham a finalidade de enquadrar dentro de um “conforto espiritual” qualquer resistência do tipo tradicional: revoltas, fugas, assassinatos, etc. Mas creio que os meios religiosos não contavam com a organização que esses grupos promoveram dentro das confrarias. Ou pelo menos não com esse tipo de organização. Eles promoveram muito as Igrejas do Rosário, Brasil afora, com suas festas, procissões e rituais. De dar inveja, como sabemos, em muita irmandade de branco. Em Porto Alegre, a Irmandade do Rosário era solicitada desde a engrossar fileiras até a emprestar alfaias luxuosas para as coirmãs. Até hoje não creio que fosse luxo o que chamava a atenção, mas a criatividade e a organização que escapavam ao universo branco de confrarias mais prestigiadas.

A mesma criatividade permitiu a essas negras e negros estarem associados para enterrar dignamente seus mortos, criar meios de negócios e moradia para a sobrevivência e crescimento dos seus, a pensar em educação. Um tipo de resistência menos visível, menos afrontosa, mas que preparou as gerações que chegaram aos anos anteriores à Abolição, e especialmente ao pós. O grupo de fundadores de associações negras e do próprio jornal O Exemplo guardava relações diretas ou indiretas com a Irmandade. A diferença é que agora eram donos de um discurso mais focado, tinham como colocar suas intenções na mesa, sem o olhar inquisitorial da Igreja.

Na próxima sexta-feira, dia 02/12, confira a continuidade da entrevista de uma “historiadora pé na porta”, com sua trajetória de pesquisa, ensino e militância!

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