Governo do Estado do Rio Grande do Sul
Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão
Início do conteúdo

Entrevista com Marluce Dias Fagundes - Parte I

Publicação:

APERS Entrevista
APERS Entrevista - Foto: Divulga APERS

Marluce Dias Fagundes é mestra pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2018) e bacharela em História (2020). Graduada em História Licenciatura Plena pelo Centro Universitário La Salle/Unilasalle (2014). Atualmente realiza Doutorado em História pela Unisinos, bolsista CAPES/PROSUC, com ênfase em estudos de gênero, feminismos, teorias feministas e violência de gênero.

1) Marluce, em primeiro lugar, gostaria de lhe pedir para nos falar um pouco sobre sua trajetória de pesquisa. Fazendo uma espécie de “ilusão biográfica”, você “sempre” gostou de temáticas de gênero?

O meu interesse pelas temáticas de gênero surgiu no segundo semestre da Licenciatura (2011/1), muito influenciada pelas aulas da Professora Ana Maria Colling que na época incluía, em suas aulas, abordagens sobre a História das Mulheres e sobre gênero enquanto categoria de análise. Claro que, nesse período, eu não sabia da dimensão do campo de estudos e de suas possibilidades de pesquisa, mas, com essa primeira aproximação, passei a ter um olhar mais generificado nos trabalhos e nas discussões, até o final dessa graduação (2014/1). Tanto nos estágios obrigatórios, quanto no Trabalho de Conclusão de Curso busquei me aprofundar em temáticas sem deixar de lado a perspectiva de gênero e da História das Mulheres. O TCC foi à análise de alguns casos de crimes de sedução, entre o final da década de 1960 e o início dos anos 1970, de diferentes cidades do Rio Grande do Sul. A pesquisa dessas fontes foi realizada no Arquivo Judicial Centralizado, hoje chamado de Departamento de Arquivos (DARQ), do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Eu estagiei no setor histórico entre os anos de 2011 e 2013, sendo que foi lá que me encontrei enquanto pesquisadora e iniciei a trajetória com as fontes judiciais.

Historiadora Marluce Dias Fagundes
Historiadora Marluce Dias Fagundes
Após a formatura da Licenciatura em História, realizei o processo de Ingresso Diplomado na UFRGS, para o Bacharelado em História. Com o aceite, iniciei no semestre subsequente a finalização da Licenciatura a segunda graduação. O meu objetivo com o ingresso diplomado, além de estudar na UFRGS, era ter acesso às disciplinas sobre as temáticas que me interessavam para a construção de um projeto de mestrado. Portanto, os dois primeiros semestres do bacharelado foram fundamentais para o aprofundamento das temáticas de gênero, pois foi na UFRGS que realizei disciplinas importantes e que me auxiliaram no desenvolvimento do projeto de mestrado. Cursei disciplinas de história dos feminismos, ministrada pela Professora Céli Pinto; de história das mulheres e das relações de gênero, ministrada pela Professora Natalia Pietra Méndez; de gênero e sexualidades, com a Professora Fabíola Rohden; assim como de história do crime, da polícia e da justiça criminal, ministrada pela Professora Cláudia Mauch. Foi uma escolha muito acertada, a seguir com uma segunda graduação, numa espécie de preparação para o mestrado, ao qual realizei a seleção para a turma de 2016 e obtive a aprovação.

2) O GT Estudos de Gênero da ANPUH-RS faz parte de sua trajetória. De que formas essa experiência impactou sua vida profissional?

Com a entrada no Mestrado comecei a frequentar as reuniões e os eventos promovidos pelo GT Estudos de Gênero, foi através dele que me aproximei de colegas que até então só conhecia das referências bibliográficas. Em 2017 passei a integrar a coordenação do GT em parceria com a Camila Petró e a Daniela Garcez, no ano seguinte com a saída da Camila, a Priscilla Almaleh passou a fazer parte e assim seguimos como gestão até o ano de 2020. Acredito que o espaço do GT tenha uma importância bastante considerável em minha trajetória, seja como pesquisadora, seja como militante feminista. Pois foi a partir das nossas conversas, formais e informais, não só entre coordenação, mas com todas as membras/os que frequentaram e frequentam o GT, que surgiu a reflexão sobre problemáticas que atravessam as nossas experiências individuais e coletivas. Por exemplo, como, por vezes, é difícil ser ouvida no ambiente acadêmico, sendo uma pesquisadora dos estudos de gênero. E, como sempre precisávamos afirmar que a Teoria Feminista é uma Teoria da História, ou ainda, uma das mais antigas críticas, que gênero sendo um tema transversal não há necessidade de ter espaços próprios para debater sobre, como os GTS e Simpósios Temáticos em eventos.

3) Você pode falar, em linhas gerais, da temática de sua dissertação?

A minha dissertação abordou os crimes sexuais contra mulheres, ocorridos em Porto Alegre, entre os anos de 1948 e 1964. O que mais me mobilizou nessa pesquisa era a questão da violência nessa tipologia de crime ser tão disfarçada e muitas vezes negada. Sabe-se que, em processos criminais, muitas vezes as vítimas passam a ser ré ao longo do decurso do caso, não só para os casos em que mulheres são vítimas ou ofendidas. No entanto, para os crimes sexuais, estava previsto em lei que o mesmo se encerraria caso o agressor/acusado casasse com a vítima/ofendida. Em muitos desses casos, havia narrativas de violências física e psicológica presente nas declarações da ofendida e, também, de testemunhas, contudo isso tudo era ignorado em caso do casamento como reparação do mal praticado. Ou seja, a lógica e a prática da Justiça ainda seguia os preceitos de moralidade e de honra feminina, aquela que atingia o homem, no caso de filhas, o pai, e a família.

Portanto, parti dessa ideia e com o incômodo com parte da historiografia que analisou crimes sexuais, que omitiu a violência nesses casos. Acredito que tenha conseguido responder a problemática inicial da pesquisa, que procurou contrapor com o período caracterizado como “anos dourados”. A problemática da pesquisa buscou analisar estes crimes sexuais cometidos contra mulheres, a partir dos discursos e das práticas de justiça - responsáveis pela elaboração dos códigos legais e, também, por reforçarem as assimetrias de gênero diante dos casos que envolviam, sobretudo, populares. Outra questão foi compreender como o emprego da violência era entendido pelas partes diretamente envolvidas (ofendida e acusado), e pelo próprio Poder Judiciário, e se existia uma naturalização do uso da violência nas fontes e bibliografia pesquisadas. Em linhas gerais, essa naturalização foi entendida como uma “negação da violência”.

As fontes utilizadas foram, basicamente, 219 casos entre inquéritos policiais e processos criminais encontrados no Arquivo Público do Rio Grande do Sul e no Arquivo do Judiciário Centralizado. Além dessa documentação, os Códigos Penais de 1940 (incluindo o de Processo Penal de 1942), a literatura jurídica - de juristas que se debruçaram sobre a análise de crimes sexuais e, os Censos Demográficos, sobretudo, de 1950 e 1960, foram fundamentais para a investigação.

4) Qual foi o papel das fontes salvaguardadas no Arquivo Público na construção do seu trabalho?

A maioria das fontes judiciais foi pesquisada no Arquivo Público, por todo o primeiro ano do mestrado. Dos 219 casos coletados, 199 são provenientes do acervo do APERS. A organização da sala de pesquisa, o atendimento direto com uma historiadora, a facilidade de agendamento para a pesquisa na época, tudo isso foi fundamental para o bom andamento do meu trabalho. Além disso, o estado de conservação das fontes que analisei é um fator muito positivo, pois facilita na hora de fotografar. É muito importante que, em instituições de salvaguarda, se tenham profissionais especializados, que saibam do que você precisa, no caso o contato com a historiadora posso destacar como crucial. Portanto, a importância vai além das fontes em si, pois perpassa outros fatores que são imprescindíveis para tornar viável ou, pelo menos, para ter um bom andamento de uma pesquisa.

Confira, na próxima quarta-feira, a continuação da entrevista com a historiadora Marluce Dias Fagundes!

Comentários

Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul