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Entrevista com Tiago Luís Gil - Parte I

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APERS Entrevista
APERS Entrevista - Foto: Divulga APERS

Tiago Luís Gil é licenciado (2000) e bacharel (2002) em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2003) e doutor pela mesma instituição (2009). É autor, dentre outras obras, de “Infiéis Transgressores” (Arquivo Nacional, 2007), “Como se faz um banco de dados (em História)” (Ladeira Livros, 2015) e “Coisas do caminho” (Editora UnB, 2020), além de diversos capítulos e artigos científicos sobre economia colonial, história digital, contrabando, fronteira, história espacial, geoprocessamento em história e bancos de dados. É professor da Universidade de Brasília e bolsista de produtividade em pesquisa 2 do CNPq.

1) Tiago, você pode nos falar brevemente de sua trajetória de pesquisa, especialmente sobre seus trabalhos de mestrado e doutorado?

Antes de tudo, gostaria de agradecer pelo convite para essa entrevista. O Rodrigo é meu amigo e colega da graduação e é uma alegria conversar com ele e desfrutar da sua inteligência. Além disso, o APERS tem também um lugar no meu coração.

Sobre a pergunta, vou começar lá atrás. Desde a graduação me interesso por mulas, que acabou sendo o tema do mestrado e do doutorado, ainda que com enfoques bem diferentes. Na graduação, isso era mais evidente: tentei estudar a produção dos muares na freguesia de Triunfo no final do século XVIII. Foi bem legal, pois fui logo enfiar a cara nos Inventários post-mortem do APERS, durante muitas tardes entre 1998, 1999 e 2000. A sala de consulta não era onde fica hoje, era no segundo andar, e a entrada era pela garagem. Passei muitas tardes agradáveis naquele recinto, fichando inventários de Triunfo. Depois, até pelo tema da produção de mulas, fui durante o mestrado tentar entender os movimentos do comércio de animais. No começo eu não queria chamar aquilo de contrabando, pois entendia que esse rótulo só fazia sentido do ponto de vista do estado nacional e eu não queria reproduzir essa noção. Com o tempo, contudo, acabei vendo que os agentes históricos que realizavam aquele comércio usavam as fronteiras dentro de suas estratégias. Essa pesquisa acabou virando livro, publicado pelo Arquivo Nacional (onde também passei muitíssimas horas da minha vida) com o nome de “Infiéis transgressores”. Durante algum tempo pensei em seguir com a temática da fronteira, mas algumas contas mal feitas junto a um banco privado me levaram a pensar na importância do crédito na economia colonial. Daí surgiu o projeto de investigar o crédito no comércio de animais que ia do Viamão até Sorocaba, que foi o tema do doutorado. Nessa pesquisa, usei exaustivamente materiais do APERS, especialmente as escrituras públicas. Desta vez fiquei menos tempo na sala de consulta, por conta das vantagens da fotografia digital. Os materiais do APERS foram fundamentais para a produção de “Coisas do caminho”, tese de 2009 que foi finalmente publicada somente em 2020, como você bem destacou, após diversas modificações.

Historiador Tiago Gil
Historiador Tiago Gil

2) Qual foi o papel das fontes do Arquivo Público em suas pesquisas?

Imenso. O Arquivo Público é um dos meus arquivos preferidos, pois tem um acervo incrível (a centralização dos republicanos foi importante, nesse sentido) e não complica o acesso. Digo isso, pois muitos acervos são difíceis para o pesquisador, já que exigem que os pedidos sejam feitos com muita antecedência. Além disso, é comum encontrar amigos por lá. Faz tempo que não entro no APERS, mas sempre tenho bons encontros na sala de consulta. O acervo é extraordinário: não é fácil encontrar Inventários, escrituras e outros tantos documentos num mesmo lugar. O Arquivo Público de São Paulo, por exemplo, está muito atrás nesse quesito, ainda que tenha uma estrutura de grande qualidade.

3) Seu trabalho é tributário das discussões da micro-história. Entretanto, em artigo de 2002, o professor João Fragoso assinalou as dificuldades para o acompanhamento nominal nas fontes documentais coloniais brasileiras, adjetivando a micro-história aqui produzida como uma micro-história “tapuia”. Você compartilha desse entendimento? Como você encara essa questão

Compartilho que há dificuldades, mas não suponho que sejam muito diferentes do caso italiano ou que tenham especificidades que mereçam um adjetivo como “tapuia” (quase como “bronco” ou “caipira”). Acho que o João Fragoso queria encontrar alguma forma de não se “atrever” a comparar as pesquisas dele com as dos italianos. A forma que encontrou, contudo, não me parece a mais acertada. A micro-história não pode ser caracterizada pela qualidade dos acervos (elemento destacado pelo João) e, sim, pela abordagem. O APERS é um exemplo de acervo que permite uma ampla abordagem micro-histórica, mas ele não é o único no Brasil. Acho a micro-história uma experiência historiográfica de grande fôlego e inteligência, mas não me atreveria a me declarar um micro-historiador. Além disso, procuro tentar aprender de muitos lados diferente e acho isso bem importante.

Vamos conferir na próxima semana a continuação da entrevista com Tiago Gil!

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