Um crime de muitas mãos: o assassinato de João Braga
Publicação:

Em meados de junho de 1913, na Linha Coqueiro, segundo distrito de Lajeado, Carlos Osback saiu para caçar com seus cachorros. Alguns minutos depois os cães começaram a latir, Carlos achou que uma presa havia sido capturada por sua matilha, mas ao se aproximar reconheceu que se tratava de um cadáver humano!
É dessa forma que foi encontrado o corpo de João Braga, homem preto de aproximadamente 1,60m de altura e 45 anos, muito conhecido naquela região. O seu corpo estava em adiantado estado de decomposição, acredita-se que a vida de João teria sido tirada há uma semana.
Com sinais de ferimentos causados por arma de fogo, arma branca e arma contundente, ele teria sido morto em outro local e arrastado até o mato em que foi encontrado. Sua cabeça estava separada do corpo, seu braço direito e mão esquerda faltavam e havia sinais de que alguém teria tentado atear fogo em seu cadáver. Mas quem teria sido o autor de um crime tão hediondo? Após as investigações policiais foi produzido, pelo delegado Nicolau Petry, um relatório no dia 12 de julho de 1913 que narra o fato criminoso e revela: Manoel Ignácio Guimarães havia sido o assassino!
Manoel, que era conhecido pelo apelido de Macaco, tinha 73 anos e confessou o crime. Entretanto, ele foi apenas o executor do assassinato que havia sido encomendado por José dos Passos, o qual ofereceu uma novilha e um porco gordo pelo serviço. José tinha 35 anos e declarou que não gostava da vítima por dois motivos. Uma vez havia mandado seus filhos cobrar de Braga uma conta de 5 mil réis que ele o devia, mas Braga não pagou a conta e ainda ameaçou os filhos de José. O outro motivo, é que Braga havia se intitulado doutor e dado um remédio para a filha de José, que possuía uma ferida na perna, porém o remédio não funcionou e a menina acabou falecendo. José julgou Braga e seu remédio de serem os culpados.
No entanto, esses não são os únicos envolvidos na trama, uma mulher, chamada Maria Luiza de Azevedo, e mais conhecida como Maria Fumaça, também tinha motivos para querer a morte de João Braga. Maria tinha 26 anos e já era viúva, pois seu marido foi assassinado em setembro do ano passado por João Braga. De acordo com o relatório do dia 12 de julho de 1913 Maria foi cúmplice do crime, auxiliando na ocultação do cadáver.
Um outro cúmplice do crime foi Antônio José de Vargas agricultor de 36 anos, ele confessou ter sido chamado por Maria para ajudar a arrastar o corpo de João Braga até o mato. Para conseguir isso, os réus pegaram um cipó, o amarraram em volta do pescoço da vítima e puxaram. O cipó foi encontrado todo ensanguentado alguns metros longe do cadáver.
O corpo de João Braga foi encontrado com sinais de uma tentativa de ateamento de fogo. De acordo com o junção dos depoimentos esse momento se deu com a presença de muitas pessoas, além dos mandantes, cúmplices e executores do crime, estavam presentes no local filhos de Maria Luiza de Azevedo e de José dos Passos, sendo que o mais novo tinha 10 anos de idade e Fortunato dos Passos tinha 17 anos e prestou depoimento confirmando o ocorrido. Nicolau Petry, delegado a frente do caso e quem escreve os relatórios narra esse momento da seguinte forma:
A queimação do cadáver da vítima parece que foi uma pequena festa a qual até crianças assistiram e faz lembrar os nossos indígenas que quando enterra, seus mortos queimam grandes fogos e realizam danças e outros festejos” (p.29)
Será que podemos comparar um crime tão hediondo às celebrações de nossos povos originários? O que nos permite dizer que uma morte criminosa pode parecer a mesma coisa que um festejo pelo espírito de um ente querido que partiu? Esse caso nos faz refletir sobre o racismo recreativo presentes em nossa sociedade há mais de 100 anos e suas continuidades. Quais corpos sofrem com a banalização de seus flagelos? Quando um assassinato torna-se uma celebração? Por fim, a justiça considerou José dos Passos mandante do homicídio e Manoel Ignácio Guimarães executor, recebendo 12 anos de detenção, já Maria Luiza de Azevedo teve 4 anos de detenção. Foram absolvidos, Antonio José de Vargas e Fortunato dos Passos.
Documento de número 3697A - Acondicionador 022.0115 - Estante 150B